
Olho para ti e sou espelho.
Levo as águas junto ao tempo de amar.
Recordo a vida e o abraço deste caminhar.
Minha alma aquece o seu canto já velho.
Rasgo a dor em fogo e vigia.
Cubro o meu sangue de pedaços de mim.
Sei que nascer é começar o fim.
Que a noite é o outro lado do dia.
Mal sinto do suor dos meus passos.
Das saudades a rebentar na praia.
Que o corpo se eleve e não caia!
Que a voz soe entre os amores e os cansaços!
Olho para ti, assim parado,
Na margem de um sonho entoado,
Na respiração, no toque, no grito calado...
Sei que és rio, fonte, estuário que abraça!
Atira-me a tua senha e faz-me barcaça
Para me ir longe, longe, onde o meu peito se desfaça
E de novo consiga a inquietação do salto!
Talvez uma simples pedra do asfalto,
Talvez um canteiro em sobressalto.
Hei-de escrever assim desalmadamente. Sem me importar que as palavras se gastem. Uso-as e uso-as e uso-as e uso-as e uso-as as vezes que forem precisas. Sei que um dia encontrarão sossego. Porque as palavras em mim, mesmo as mesmas de sempre, são pedaços incandescentes de reacendimentos. Poderia enumerá-las para facilitar a crítica: solidão, rio, inquietação, falésia, maré, praia, sangue, peito, amor, canto, peito, sossego, silêncio, morte, fogo, fogueira, caminho, estrada, rouquidão, grito, aflito, peregrino, menino, poesia, poeta e cantor, lágrima, escolhas, calor, dor, vagabundo, vertigem, labirinto, casa, cidades, saltimbanco, fome, sonho, pesadelo, pássaro, flor e canteiro, jardim, praia, ondas, abraço, cansaço, beijo, ternura e carinho, cama ou leito... Simplesmente palavras. Nada valem assim... Não unem. São exercícios embriagados de uma dor na ponta dos dedos. Esta dor de hoje. De sempre. A vida não devia acabar num buraco...