Mãe... minha mãe. Escrevo-te daqui. Esta carta aberta. Porque a liberdade do nosso amor é algo que não se deve esconder. Tem sido difícil saber que já não consigo ouvir a tua voz no telemóvel, como fazia todos os dias. Embora passe na minha agenda e veja lá o teu número, ainda não tive coragem de ligar... Sei que não irás atender. Agora falamos de outra forma, não é mãe? Falamos com o olhar quando este se perde no horizonte, no infinito, nas memórias... Falamos com as lágrimas que correm no meu peito tantas vezes! Estes foram os dois meses mais longos da minha vida. (Quando será que o tempo retomará a sua velocidade normal?) Falamos quando eu canto; nos silêncios que se entoam no intervalo da respiração. Sim, que os silêncios são muito mais tanto que qualquer verso que teima em sair quase carbonizado dos meus dedos. Preciso de cantar, mãe. Fechar-me na minha voz e sentir que sou cada vez mais teu e que és cada vez mais minha. Morrer também é isso: passar a uma nova pertença; muito mais genuína... Sei que não voltarei a ir-te buscar à estação para aquelas visitas de médico, que me enchiam a vida de tudo. Como se fosse um novo aleitamento. Pois é, mãe... Tenho dito que é complicado viver sem ti. E é verdade. Mas se virmos bem as coisas... mãe existe sempre. Sabes que continuo o mesmo? Sim... o mesmo. O poeta de sempre. Vais ver, mãe. Os meus planos passam por isso, talvez pela primeira vez na minha vida: POR MIM! Lembro-me das vezes que pensei, como muitos, o quanto seria bom voltarmos à barriga da mãe ou ao berço ou a gatinhar garatujar espalhafatar a comida atirar os brinquedos para a rua aprender a escrever... Gostava de me sentir de novo a aprender a escrever... pena que quando finalmente aprendemos a escrita se revolta contra nós e perde o seu sangue mais puro. Ou aprender a andar... Não. Aprender a andar, não. Acho que é demasiadamente doloroso para se querer voltar... Aprender a escrever, sim. Vasculho os meus papéis e encontro algumas primeiras tentativas de escrita e sinto aquele cheiro a bebé que agarra a vida! Que bom, mãe... Sei que me ajudaste nisso. Não me lembro, mas sei que sim. Só pode. Por isso é que cada palavra que escrevo hoje te traz de novo de encontro a mim. Como aquele gesto de pegar na minha mão e dizer "É assim..." Mãe... não me sinto triste, se queres mesmo saber. Tudo o que choro e é bastante; tudo o que sofro e é bastante; tudo o que sinto falta e é bastante... vem ao encontro de um orgulho enorme por este sentir-te tanto! Fomos felizes, não foi, mãe? A vida é mesmo bela quando podemos passar juntos por ela! Mesmo com o pó da estrada que nos foi acariciando as alergias, sabemos que o que caminhámos, juntos, separados, é algo que nos moldou os pés e os passos nunca mais foram os mesmos. Porque a vida foi feita de nós. E porque a morte também o é, minha amada mãe, trago-te dentro de mim como pele.
17 comentários:
BRILHANTE Pedro
Simplesmente... BRILHANTE!
(...em todos os sentidos...)
Aquele Abraço!
Rasgas-me com as tuas palavras.
Agora chovo. Pele de mim. Amo-te.
Abraço-te tanto, Pedro
Acabei de te reler outra vez. Sei o que sentes. E esta é a canção mais bonita que eu já te ouvi cantar...
Beijo-te,
lindo e muito comovente.
um abraço,
joana
como sempre tens uma forma única de escrever o que te vai na alma.
uma forma muito especial. dia 15...
sei. doi. sabes que eu ainda sei um nº de telefone que já lá não mora ninguém? um dia fiz a chamada, entre o sinal de espera e o nada, as lágrimas ficaram quentes e o vazio abriu-se ainda mais... é um sinal que nos liga talvez a dois mundos...
não voltei a fazer a chamada como é obvio...
mas é uma questão de pele, ficam em nós, apenas não lhes podemos tocar.
um beijo Pedro.
Pedro ... fico assim, com um sorriso nos lábios ... leio e releio as tuas palavras e a minha memória fixa passagens tão tuas, tão ao teu estilo ... a tua emoção pura, verdadeira, sentida ... é quase como pele que nos afaga os sentidos e desperta a nossa sensibilidade tantas vezes adormecida ...
AMEI ...
Beijos carinhosos e abraços ... muitos ... hoje e sempre !!! :)
Um abraço muito apertado e muito emocionado!
Dulce
Vais falar muitas vezes em silêncios que só os dois vão em entender, e por vezes só os olhos que hoje choram, acabam a sorrir, acredita.
Beijinhos*
E sempre ficará dentro de ti ela e o vosso amor. E esse amor adormecerá a saudade.
Beijo grande
esta é a força do verdadeiro amor, quando nos "despimos" completamente, e apenas ficamos nós, e o nosso pensamento ...
(e algumas, muitas lagrimas, nossas e pelo nosso semelhante)
aquele abraço Pedro ;)-hoje com lágrimas, Lina
Como eu gostava de ser como tu e poder dizer como tu a falta que a Minha já me vai fazendo...
Abraço-te, meu amigo
Palavras plenas de um amor imenso,intenso e interminável...
Belíssima carta carregada de emoção.
Abraço Pedro
Pedro,
com emoção li esta tua homenagem, tão bela e inteira, como o sentimento a ditou...
um grande abraço amigo
e o meu sorriso :)
mariam
Perdi há cerca de mês e meio a minha avó mais querida. Aquela com quem passava grande parte das férias de verão, aquela com quem passava muitas horas dos meus dias. Aliás, os meus últimos três posts são dela e para ela, conversas como esta tua.
Gostei muito desta carta. Identifiquei-me muito! E por isso o meu muito obridado!
*
Não devia ter lido este....
Beijos, Poeta.
Perdi a minha querida mãe à três anos, sofro de saudades, mas sei que ela está num lugar lindo olhando por mim pelos meus filhos,pai e irmãos, ela é um anjo bom que me vem beijar à noite e aconchegar os lençois e amo a muito muito muito, é o meu anjo como a tua é o teu, beijo
Só hj consegui ler a tua carta...
Claro que chorei..lembrei da historia contada no Tin Tin de como pedias bolachas a tua mãe.
Lá em cima ela sorri de orgulho do filho maravilhoso que tem.
bjo
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